11.09.2004

Foi à primeira vista.

Um desejo imenso percorreu-a, arrepiou-lhe a pele e fez com que gaguejasse. Soube que se existisse Destino o dela se diluía em cada centímetro daquela imagem. Gaguejou uma hora na primeira vez que o viu. O olhar prendeu-se nos seus contornos irregulares, a mente perdeu-se na sua diversidade.
Foi à primeira vista e é a primeira imagem de que se recorda. O mapa-mundo do bisavô. Muito antigo, mas o mais recente da colecção. Na colecção existe um que foi desenhado quando ainda nem se sabia que a terra era redonda e no qual estão representados os perigos do desconhecido sob a forma de monstros marinhos com a boca muito aberta de fome e de fúria.
Sabe desenhar no ar de olhos fechados as fronteiras de Rússia e tatua, a saliva, nas costas dos amantes o Oceano Atlântico e o estreito de Gibraltar. Foi um dia a um concurso de trivialidades geográficas na televisão e ganhou um carro que nunca usou e um clube de fãs com três membros: a família que costuma atendê-la na pastelaria onde toma o chá matinal e que lhe embrulha sempre com requintes de laço o resto do bolo de arroz, a quem deu o carro.
Apesar de as pernas nunca a terem sustentado por mais de cem metros seguidos e a respiração ser demasiado fraca e dependente de máquinas para embarcar num avião conhece os costumes das tribos de aborígenes australianos em detalhe, a melhor amiga vive na Polónia e recebe uma encomenda semanal de fotografias extensivas dalgumas ruas de Amesterdão que a põe a par de mudanças na cidade onde o seu coração vive a maior parte do tempo. Da janela do quarto avista feliz um rio que é só seu como seus são todos os outros que habitam as paredes da casa demasiado pequena para tantas recordações das viagens que nunca fez.