5.28.2004


Não sei se por descender de artistas de circo, de crianças em fuga, de mulheres sem sossego nem salvação e de homens que mil vezes apostaram a vida perdendo sempre, piso sem medo este arame fino e farpado. Sem hesitações nem passos em falso. A rir bem alto de quem teme por mim e a fingir que sei muito bem para onde vou. O segredo é ser leve e não me levar muito a sério. Não conquisto nada que sirva para a troca, mas também não consigo pensar em nada que queira em troca. Porque assim habito esta tenda imensa e assim lhe coso em segredo os rasgões causados pelos sobressaltos do caminho. Não sei se por a maldição saltar geração sim geração não e eu ser da não, sinto-me abençoada com uma imunidade que permite enfiar a cabeça bem fundo na boca das feras, dar piruetas em círculos de fogo, desafiar o trapézio sem rede e desdenhar os palhaços, tão pouco atléticos e tão patéticos. Porque um dia me segredaram que pouco depende de mim, que existem trilhos a seguir, falsas pistas a evitar, bênçãos a agarrar com muita força na altura certa. E pouco mais.

(imagem lincada de:http://www.gruppofoto.com/concorso1968/Equilibrista.JPG)
O que nos aquece o mundo, o que nos determina as estações, o que nos impede de secar, inundar, congelar, o que torna os continentes habitáveis: uma corrente contínua que depende de equilíbrios frágeis entre sal e doce, quente e frio.
Surpreendentemente, o aquecimento global poderá desencadear uma nova idade do gelo (lentamente e não de forma brusca como ficcionado no argumento do filme “The Day After Tomorrow”).

Achei giro, quis partilhar. Lembra-me de quando planeio o desenrolar de qualquer coisa e imagino mil cenários possíveis, gradados do pior possível ao sonho impossível, e acontece invariavelmente o milionésimo último nunca imaginado. Deve ser uma lei universal, se calhar já está postulada, se calhar já existem modelos, talvez haja mesmo quem neste momento detenha o algoritmo para a contornar. Se houver, que se acuse, compro o algoritmo para o destruir, não abro mão do espanto de existir.

5.26.2004

A princesa de "nuestros hermanos" também bloga? Assim a Hola vai à falência.


P.S.: Dois dias depois percebi que não, afinal ela não bloga e confirmei que nas letras pequeninas no fundo das páginas está sempre o mais importante:"Respetuosa ficción literaria sobre la vida privada de un personaje público".
Um sol de limão!


lincado de "http://images.dpchallenge.com/images_portfolio/92/print_preview/5516.jpg"
Gostei da Esther à primeira frase. Gostei de a ver por Nova Iorque, por vezes fascinada, por vezes aborrecida com a cidade, as festas, o calor, os brindes e a promessa antecipadamente falhada de um futuro brilhante. Gostei da Esther enquanto ela tocava a loucura ao de leve os dedos virando-lhe a cara no último instante. Enquanto a mantinha ao virar da esquina. À distância perigosamente curta a que ela se encontra de muitos de nós por vezes. Até que ela deu um passo em frente e virou a esquina. Comecei aí a aborrecer-me, mas ficou-me esta frase dançar na cabeça, que exprime tão bem a incapacidade de largar neuras, dúvidas e medos numa esquina e correr para muito longe:

“Wherever I sat—on the deck of a ship or at a street café in Paris or Bangkok—I would be sitting under the same glass bell jar, stewing in my own sour air”


5.25.2004

Sabem um anúncio para votar que acaba com um slogan do género "sempre votaste continua" e tem um bebé e muitos jovens? Um que se for visto sem atenção até parece o anúncio a uma bebida fresquinha? Alguém sabe qual é a música desse anúncio? Eles cantam assim " and people took ...buick to the moon...baloooon balooon my beautifull balooon"...

5.24.2004

Nunca esperei chegar a este ponto. Demasiadas horas em companhia exclusivamente masculina, é o que é. Como se não bastasse ir retendo o nome de corredores de F1 e de motas, agora vejo atentamente este programa.
Eu, para quem um carro é simplesmente uma coisa que me transporta, de preferência conduzida por outra pessoa (sim, que além de ter de fazer um esforço de concentração sobre-humano a realizar aquilo que é intuitivo para a maioria das pessoas distraio-me sempre à procura dos lenços de papel debaixo do banco na altura exacta em que o carro da frente decide encostar); eu,que normalmente acho as competiçõezinhas de rapidez uma autêntica parolada, estive ontem perto de uma hora a ver uns senhores testarem a rapidez e robustez de carros muito desportivos numa pista apropriada. Juro que vibrei quando eles tiveram de comprar um carro e encher o depósito por menos de 100 libras para depois o testar em diversas provas, uma das quais acelerar contra um muro (tinha mais pontos quem tivesse menos ossos partidos depois disto). E ri-me, ri-me muito, porque eles têm mesmo piada.

Isto só pode significar uma de duas coisas: ou preciso urgentemente de contacto feminino(CC, YoYO e Ups: vamos jantar juntas e galinhar depois de uma tarde de compras?) ou consumo qualquer coisa apresentada com bastante sentido de humor.
Ontem na TVE os príncipes casaram-se pelo menos mais vinte vezes, com uma narrativa tipo fotonovela ("D. Letizia mira el hombre de su vida buscando su cumplicidad" em vez de "ela está nervosa e carente e sempre a olhar para ele em busca de aprovação") e com tentativas de nos divertirem com uns "apanhados" das criancinhas a fazerem o que as criancinhas fazem ( "miren el D. Frederico "qualquer coisa" estaba subindo en el poste, es muy independent"). Ao que uma rapariga se sujeita por causa dos contos de fadas que lhe foram impingidos na infância e para ver ver os vestidos da realeza.

5.20.2004

MELHOR QUE UM FERIADO SÓ UM FERIADO SURPRESA

Descobri ontem, quando já estava a preparar o trabalho para o dia seguinte, que hoje era feriado por estes lados, com direito a ponte e a muito sol. Nem vou falar mais no sol não vá ele fugir, que à falta de um bom areal e de um mar sem fim como horizonte (sim, disto não fala a Vitriola) vou ali estender-me no parque a ver os patos e a descobrir o destino final da Esther.


A INTERNET É UM LUGAR ESTRANHO

Não sabendo o que mais fazer destas saudades que sei serem eternas, e na derradeira tentativa de impedir que me rebentem o coração faço coisas idiotas. Coisas como por o teu nome no google para descobrir que afinal ainda existes algures numa fazenda argentina, fazes parte da Câmara Municipal de Braga, és investigador numa universidade brasileira, vendes adubos fertilizantes muito eficientes, ganhaste recentemente um campeonato de karaté e concorreste a um concurso qualquer na televisão globo.

5.19.2004

Uma sugestão. Exige uma boa dose de resistência à sátira da nossa querida pátria, mas oferece em troca umas boas gargalhadas e uns desenhos fantásticos.

5.18.2004

MAIS UM POST A JUSTIFICAR A FRASE ALI DE CIMA NA DESCRIÇÃO DO BLOGUE

Isto era o que se ouvia dentro da minha cabeça hoje, tipo banda sonora baixinha em repeat:

"Scannin' all those memories
No chance to get some sleep
Visions came along too strong
And drugs just seem too weak

Then there was this fax machine
Workin' in my head
Morning light uncovers
Empty spaces in my bed

I'm in search for happiness
Sometimes too blind to see
That all that search for happiness
Sure means misery

Romantic dinner candlelight
Dancin' cheek to screen
Salvation wire internet
Keeps my pillows clean

I don't need the passwords
Mail me the miracles instead
Mornin' light discovers
Cyberspaces in my bed

I'm in search for happiness
Sometimes too blind to see
That all that search for happiness
Sure means misery"

DE PHAZZ,Happiness

A competir em grande desvantagem com o barulho de muitas máquinas muito grandes que apesar de não estarem na minha cabeça conseguiam tornar muito difícil que eu me ouvisse a pensar mesmo com uns auscultadores rídiculos. Compreendo agora muito bem o que sentem os desenhos animados quando têm aqueles olhos em espiral a aumentar e a diminuir.

5.17.2004

Seja o que for um especialista eu sou o contrário disso, disperso-me tanto por tanta coisa que nunca sei de nada o suficiente, que nunca gosto de nada o suficiente, aborreço-me sempre cedo demais e sonho partir antes de sequer pousar a bagagem.


Em resumo: sabem aquela canção que o Variações cantava “só estou bem aonde não estou lalalalala”? Quem escreveu a letra espreitou-me a alma sem avisar.
Às vezes sou tão, mas tão pessimista que se torna óbvio que só o sou para me proteger do meu optimismo doentio e impulsivo. Sou assim desmascarada pela própria máscara.

5.14.2004

Só para fãs de "Sex and the city". Aviso já que os resultados estão viciados, humpf...

PEDIDO PARA QUEM SÓ ME IRÁ OUVIR SE TUDO EM QUE EU DEIXEI DE ACREDITAR AFINAL FOR VERDADE

Por favor por favor por favor ensina-me já e desta vez sem manhas a receita dos teus bifes. Já tentei várias vezes e não ficam nem parecidos. E de caminho dá-me um beijinho daqueles que arranham.
ÀS VEZES AINDA ME SURPREENDO COMIGO ou VISÃO FÚTIL SOBRE A TELENOVELIZAÇÃO DA MITOLOGIA


Fui ver, semi-obrigada, em vez deste e não adormeci nem refilei muito. Até gostei de ver o Aquiles semi nú coberto do sangue e da lama da victória. Não me conformei foi com a mulher mais bela do mundo ter fugido com o maior cobardolas da história nem com ter sido esse a acertar no calcanhar do outro. Gostei muito do rei de Tróia, era um velhinho adorável com um ar sensato e bondoso.


(No fim, achei que tinha descoberto a solução para todos os problemas do mundo: as guerras voltarem a ser assim, muito corporais, com armas básicas e com os que as ordenam a participar em vez de as comandarem do sofá da sala. Achei que assim existiria mais sensatez. Mas um menino muito realista que estava ao meu lado tratou logo de me por os pés na terra: "Sabes as coisas EVOLUÌRAM" e "Sim, realmente eles eram sensatos, só devastaram uma cidade por uma mulher".)

Aqui forneceram a seguinte definição para a tua condição:

s. f.,
acto, modos ou qualidade de sôfrego;

desejo impaciente;

avidez;

ambição.


Ou seja, a tua cara em 68 caractéres. A mim, a palavra lembra sempre uma menina pequenina cheia de sede a beber um copo de água maior que as mãos com um ar muito concentrado.
DICCIONÁRIO NÃO OFICIAL NEM TRADICIONAL NEM ÚTIL DA LÍNGUA PORTUGUESA (TERCEIRA ENTRADA)*

O ENCANTO: poção mágica que nos ilumina a realidade, pelo qual ficamos envenenados na névoa da fantasia.

*uma amável contribuição da ccc que tem muito. CCC, e sofreguidão ? Vou tentar...

5.12.2004

DICCIONÁRIO NÃO OFICIAL NEM TRADICIONAL NEM ÚTIL DA LÍNGUA PORTUGUESA (SEGUNDA ENTRADA)

O DESINTERESSE é uma parede de névoa entre nós e o mundo. Torna tudo cinzento, entre claro e escuro, causa bocejos prolongados na alma e faz com que o coração, por vezes, se esqueça de bater.
Miminho para o meu aniversariante preferido. Muahhhhh!

5.11.2004

Estou mesmo a ver, a seguir vão pedir uma modesta mensalidade?
DICCIONÁRIO NÃO OFICIAL NEM TRADICIONAL NEM ÚTIL DA LÍNGUA PORTUGUESA (PRIMEIRA ENTRADA)

O CANSAÇO é uma entidade escura, gasosa e pegajosa. Tem uns dedos que devagar nos fecham as pálpebras, e apoia-se nas nossas costas sem pedir licença transformando-nos as pernas nuns rochedos muitos pesados que nem no mar flutuariam.

5.10.2004

PROMETO QUE É A ÚLTIMA VEZ QUE FALO NISTO, MAS DESCOBRI O ANTÍDOTO DOS ANTÍDOTOS PARA O REGRESSO DOS "EIGHTIES"...TCHANANANANANAM:





Acabo de escrever isto e lembro-me de como gozava com as calças à boca de sino aos 13 anos. Passadas algumas estações não queria outra coisa. Aiiiii...
Os únicos livros que me marcam e aos quais sempre volto são aqueles que me fazem ter vontade de chegar a casa ao fim do dia para os continuar a ler. Que andará a Esther a fazer agora?
MAIS UM ANTÍDOTO PARA O REGRESSO DOS "EIGTHIES":




... se olhar só assim de relance não resultar ver 20 vezes o "Breakfast at Tiffany's", se possível alternado com o "Flashdance" para um efeito de contraste.
ANTÍDOTO PARA O REGRESSO DOS "EIGHTIES":

Não há como rever fotografias antigas, nas quais vestimos uma saia-calça e uma camisola com mangas indescrítiveis e nas quais a nossa mãe parece bastante mais velha do que agora, 20 anos depois, para resitir com dignidade às armadilhas em forma de mangas balão, calças "fuseau" e afins que andam espalhadas pelas lojas este verão.

5.06.2004

O meu supervisor hoje está chatinho, chatinho.
Mal ele sabe como eu saí ontem do Kill Bill 2, poderosa e vingativa e capaz de partir caixões aos murros!
(Devia ter decorado a sequência dos cinco toques mortais)
AO ABRIR O MAIL REPARO QUE:

O spam mail faz-me rir mais que a maioria das piadinhas que me enviam.

O senhores do spam devem achar que os "blogueiros" são todos homens, e todos com problemas de identidade fálica.
"Vale tudo menos arrancar olhos"

Esta regra não se aplica aqui.

5.05.2004

Classificados (6):

AVISO a quem faz da guerra pretexto para exibir conhecimentos num exercício de estilo e para discussão de ideologias ao melhor estilo "Sporting contra Benfica" ou "Clubinho das meninas onde menino não entra":
Apesar "daquilo" estar muito longe, passar na televisão à hora do jantar e ter muita acção e explosões, são pessoas a sério a perder filhos reais, a ver as suas casas reais e palpáveis a ir abaixo.
Apesar de ser cinematográfico e as televisões fazerem o seu genérico bem montado, já nem nos filmes o enredo se reduz a bons e maus e ali não existem vilão nem super-heróis, existem PESSOAS.
Pessoas que partiram para um país desconhecido a acreditar na missão que carregavam e outras que nunca deviam ter aceite essa missão nem nenhuma que envolvesse ter poder sobre outros porque não têm valores nem sentimentos. Pessoas que escaparam às explosões e se sentem libertadas de uma ditadura que as oprimia e outras que estando no local errado à hora errada perderam a razão de viver ou simplesmente uma perna são tentadas a pensar que mais valia ser reprimido. Não é um jogo de futebol que se comenta na tasca, não é o último filme polémico de nenhum realizador que se critica no café, são muitas vidas em jogo.

5.04.2004

E de repente, este blogue (como tantos outros) começou a parecer-me uma versão adulta e virtual dos cadernos de cartolina preta da secundária, onde numa tentativa de expressão da individualidade, se escreviam os poemas e letras de música favoritos e se colavam anúncios de perfumes (meninas) ou imagens de surf (meninos).
Isto afinal não passa disso: uma colagem frequentemente actualizada e comentada de referências, estados de espírito, imagens que me ilustram ou comovem. Que bom prolongar um bocadinho as coisas giras da adolescência, depois do último post estava a ficar preocupada.



MINIBIOGRAFIA

Não me quero com o tempo nem com a moda
Olho como um deus para tudo de alto
Mas zás! do motor corpo o mau ressalto
Me faz a todo o passo errar a coda.

Porque envelheço, adoeço, esqueço
Quanto a vida é gesto e amor é foda;
Diferente me concebo e só do avesso
O formato mulher se me acomoda.

E se a nave vier do fundo espaço
Cedo raptar-me, assassinar-me, cedo:
Logo me leve, subirei sem medo
À cena do mais árduo e do mais escasso.

Um poema deixo, ao retardador:
Meia palavra a bom entendedor.

Luíza Neto Jorge, in Poesia, Assírio & ALvim, 1993.

Soube este poema de cor durante anos, apesar de ser um poema maduro de uma mulher envelhecida estas palavras faziam todo o sentido para mim e para a minha interpretação das mesmas; escrevia-o nos cadernos e na bata de Química...entretanto esqueci-o e hoje, ao voltar a lê-lo já não senti a mesma coisa. Isto já me tinha acontecido por volta dos 16 anos com o Jim Morrison. O que se seguirá?

5.02.2004

DE “VIVER PARA CONTÁ-LA”, GABRIEL GARCIA MARQUEZ


“Na primeira noite, como em tantas outras, ficámos até ao amanhecer no Passeio de los Mártires, protegidos do recolher obrigatório pela nossa condição de jornalistas. Héctor tinha a voz e a memória intactas quando viu o resplendor do novo dia no horizonte do mar e disse:
- Oxalá que esta noite termine como o Casablanca.
Não disse mais nada mas a sua voz devolveu-me em todo o seu esplendor a imagem de Humprey Bogart e Claude Rains a avançar ombro a ombro entre as brumas do amanhecer em direcção ao fulgor radiante no horizonte, e a frase já lendária do trágico final feliz: “Este é o princípio de uma grande amizade.”


Excerto da autobiografia do prémio Nobel da literatura, que já muito depois de ser um escritor reconhecido, recebia as cartas à sua mãe devolvidas com a ortografia corrigida numa atitude de maternal pedagogia. Não resisti, adorei o excerto e o pormenor.